sábado, 25 de agosto de 2012

Viço


Posso lhe chamar de Lourdes, a doida trans de uma década, e ao meio-dia poder arquitetar sua boca em outra argila? Se você me rejeitar ou se aproximar o bastante, esqueça apenas a ideia de banalidade num dos vãos do seu corpo, o místico residirá aí. Depois que selarmos o nosso acordo, usarei um tapa-olho do tipo pirata. Nas madrugadas que seguirem, ordenarei ao bicho de ossos, meu servo, que lhe maquie. Vou aproveitar esse momento para dormir no sereno, quero manter bem fértil as cenas passadas da sua pomba visceral sem cabeça e depenada, contraindo-se no breu. A cidade vai lhe ouvir desesperada, vai acostumar com seu agito. Para a alegria dos meninos, jogarei suas nojeiras do dia pela janela e no fim da tarde brindaremos nossa recém-comuna-hedionda-amorítica. Em agosto podemos nos casar, mandarei estripar um porco em comemoração, você vai jurar por mim e eu vou amarrar você. E ao invés de arremessar arroz na saída da paróquia, vou pedir que joguem em taças o sangue do bicho em seu traje branco. Uma modesta carruagem com dois cavalos caolhos nos levará para a noite de núpcias.

Em sua homenagem, eu mesmo marcarei com ferro em brasa suas iniciais em dois touros espanhóis, que depois serão soltos na avenida mais movimentada da cidade. Em algum semáforo no vermelho, aparecerá um deles, encarando ferozmente a fila de veículos, bufando, espumando pela boca com o sangue prestes a explodir nos olhos. Pense nos arranjos sonoros das buzinas aflitas, os gritos graves e agudos, vidros e ossos quebrando, o ranger do ferro amassando e o povo correndo apavorado, pisoteando os debilitados, escondendo-se da força descomunal da vida. Nossa paixão não terá saída, quando perdermos os sentidos e a insanidade, passamos um cheque sem fundo e vamos nos encontrar em alguma exposição pederasta de Bacon.

Poema para Lourdes

Os músculos rígidos e pesados

"monumento bovino"

saltando e correndo em disparada
estilhaçando vitrines
arrastando em seus chifres afiados um manequim 
um transeunte distraído
peças de roupas
e um saco de lixo cheio de laranjas espremidas

Francis Bacon



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