quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cidade Afoita

Precisa-se rever
o gosto pelos óculos escuros

essa armação humana

gera um tipo de defeito
incômodo
como dois estranhos num espelho de elevador
. . .

Em cena
nas calçadas de carbono
representações da miséria plástica
sob o grito soterrado
o trapo
e o pombo

A fome de cortes
a fome da pele
a fome do escândalo
não existem

Uma viagem entre corpos sufocados
invadidos
por pichações sanguíneas
violados pelo risco iminente da magreza
e do desejo

Nessa flor retorcida em vergalhões
surda de olhos
e muda das mãos
o amor se perde em engarrafamentos
ou no passar súbito do metrô

A multidão
o semáforo no vermelho
a travessia
a estática

A beleza das vitrines
o resistir
o outdoor
r u i n d o . . .  r u i d o s. 







pic. Eduardo Guimarães (Duduzão)

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Romance Modernoso

Muros
luzes
chumbo
e ação!
. . .

Na medida do provável
deitada no sofá
ela chamou por

“suplicante”

desligou a televisão
escutou um cão de longe
e esfregou o rosto no espelho
. . .

Uma bola amassada de papel-alumínio
uma chave quebrada
garoto estranho
sonhando baixo
visualizando rastros de vida sobre a mesa

Acaba um dia
perdendo o juízo
e some por aí
. . .

Tomaram todo café
esqueceram o final do filme
faróis de carros
CD
madrugada afora
. . .

O caminhão de lixo trabalhando nas horas ocultas
lixeiros verdes cintilantes correndo
sacos voando
luzes piscando
chorume escorrendo
. . .

Fugiram da cidade
adormeceram na areia
e na manhã seguinte
acordaram apenas dois do triângulo

a musica da cachoeira
Simone como água
Antônio como arma
 . . .

Um relógio despertou
as veias agitaram em falso
e nenhum voltou no prazo
. . .
Nas lembranças
sobrou uma peça de xadrez
um cachimbo caricato
dissimulações
e a agonia alegre do tempo
. . .

Transformaram-se em sujeitos de trinta anos
um com a barriga mucha
outro falando espanhol
e Simone em análise profunda
. . .

As visitas sempre as mesmas
porém 
cada vez mais raras
mais calvas
mais silenciosas  
. . .

no cinema
no bar
no calor
na poeira
tudo continuava em paz
. . . 

Dirigindo com um vestido curto
as paisagens se faziam translucidas
braços encostados
acendedor de cigarro
porta luvas
porta angústias
acelerador
depressores

. . .

Sem paciência para choro
utopias
e jazz
o sono era uma constante
. . .

A cidade iluminava a madrugada para ninguém ver...
Os três não dormiam
vacilavam pelas mesmas calçadas de antes
. . .
No final de um artigo
uma súbita tristeza abate o terceiro personagem
ele volta para casa
e desiste daquele futuro

estuda trompete
corta o cabelo
e pedala sua bicicleta numa panela municipal 
. . . 

Se falavam a cobrar
desejavam estar juntos
mas o telefone público era caro
. . . 

Chegou a semana santa
e o teatro não abriu
porcos desfilaram pelas ruas
e Antônio escreveu mais um poema no feriado
. . .

No noticiário
o mundo como água ardente
(o abismo de Simone)
. . .

Mais uma viagem
algumas derrotas na mala
alívio
distância
. . .

As ondas quebrando
os trinta e seis anos chegando
os três em silêncio num mesmo tempo
. . .

páginas
faces
amigos de curta metragem

pic. Dani Ribeiro












 

FIM.