terça-feira, 26 de novembro de 2013

Modos

Cheguei aos 57 anos
tenho um buraco na garganta
e um quadro baleado por traças 
no porão 

terça chuvosa
goteja na calha

a moça que acabou de chegar
pede pra eu ligar o exaustor
abre o guarda-chuva no canto da sala
e discorre sobre a sua inimaginável rotina

Sirvo uma água
sirvo o tal silêncio e o sorriso periférico
sirvo uma ulcera maquiada
...

Tenho que evitar café depois das sete
tenho que conversar pouco
tenho finalmente calma para estalar os dedos

Contei a ela
que ontem  
esqueci o que era dormir
tive um falso cochilo
e alguns takes de um sonho estranho:

Take I "...numa rodovia sem avisos 
sem barreiras de proteção 
sem cones

Uma frota de caminhões-fantasmas
perseguiam um ciclista ensopado
no acostamento..."

Take II "...Eddie Jefferson
chegou a cantar  no bar que frequento
e nada mais sublime que Parker's Mood..."

Take III "...Voltei a andar pela cidade
sem sentir nada no estomago
tinha a mão esquerda aperfeiçoada na encruzilhada
e acabei espantando uma mariposa no muro..."

FIM...

Minha filha pede mais um copo
eu lhe peço a bênção 
e com um olhar profilático
ela me pergunta o que é uma mariposa
eu respondo

"Perigo"

zona de arrebentação
soturna greta machadiana 
de íris afogada

engenho
de
lágrimas salivosas

de cílios transviados
deslumbrantes assassinos...

Foi uma manhã de papo furado
ela e seus 30 anos
eu com meus quinze 16...

No transcorrer da conversa
a chuva havia aumentado
a grama do jardim ficara submersa 
e a calha jorrava 
num barulho irresistível de água e lata 

pic. Lucas FL.



Um comentário:

Anônimo disse...

de tirar o fôlego!